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lundi 18 juin 2018

Beauvoir - Journal de guerre

Simone de Beauvoir sempre manteve um diário (journal intime). No período da Segunda-Guerra Mundial, ela manteve esse journal de uma maneira errática, parando de escreve-lo por semanas, e depois tentando ganhar coragem e resumir o que havia feito para que Sartre - convocado à Guerra e depois prisioneiro - pudesse ler quando de volta a Paris. Um dos trechos mais tocantes é uma carta imaginária ao Sartre - que estando na prisão, pensava Beauvoir, não recebia as cartas dela... 

Nota-se que nos momentos em que as cartas chegavam, e esta sabia que Sartre a lia, ela tinha força e até certo animo, porém quando a correspondência foi interrompida, era nítido o sofrimento. 

Depois dessa carta, ela tenta, mas não escreve de fato o diário, caindo em profundo desanimo e nervosismo...

O encontro demorou ainda quase um ano, já que eles puderam se ver somente em meados de 1941.

Para além do amor: interessante perceber o avanço da consciência social de Sartre e Beauvoir no decorrer da guerra, pelas suas cartas e escritos (Carnet de Guerre, que é o diário de Sartre, pelo Journal de Guerre, da Beauvoir) e seus romances.
Antes, claramenre alienados, sem entender a que estava acontecendo de fato, e muito menos as consequências, estavam eles só preocupados com a vida intelectual/literária, porém, aos poucos, o casal percebe o mundo e os problemas sociais que impedem um indivíduo de ser livre e protagonista da própria história realmente. Todos esses apontamentos intelectuais são baseados e inspirados numa visão filosófica - de Kant, Hegel, Heidegger, Kierkegaard até ser formado a teoria Existencialista de Sartre, bem no meio da Guerra, tudo passa por esse crivo da razão. Resistência!


Para ampliar, basta clicar nas imagens.




Tradução de Priscila Junglos: 

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Sexta-feira, 20 de setembro de 40.

É uma carta que eu começo para você – talvez você a terá daqui a um ano. Eu escrevo a você porque eu parei de esperá-lo – agora eu sei que você não aparecerá atrás da estátua do Balzac. Eu o esperei tanto – você estava de azul com sua boina de soldado, uma mochila de lado, e frequentemente, eu não sei porquê, é de bicicleta que você aparecia. Eu olhava com tanta força que eu realmente acreditei duas ou três vezes que você ia se materializar, e atravesar a praça em carne e osso – teve mesmo um dia em que eu encontrei-o duas vezes – na praça do Panthéon, eu tive um choque tão grande que eu achei que ia vomitar.
Agora eu sei que será necessário viver sem você – eu não sei ainda de modo algum como eu poderei fazê-lo. Isso não é de maneira nenhuma como no ano passado quando nós havíamos partido juntos e onde a cada dia eu sabia tudo de você. Você está num abismo – seu amor por mim, ele existe, eu o sei vivo, eu o sinto – mas não há mais absolutamente nada que eu possa tocar. Eu nem sequer tenho vontade, eu tenho medo de rever sua escrita, será sobre um mapa da Alemanha que dirá “eu me porto bem” com um endereço sinistro.
Desta vez, eu estou infeliz. Eu me perguntava ano passado se eu poderia algum dia sê-lo – o mundo ao meu redor tinha virado trágico e eu vivia em acordo com ele, não era infelicidade. Eu me lembro bem de como em setembro eu me sentia somente um fragmento de um grande acontecimento coletivo – eu estava interessada pelo acontecimento e por mim mesma frente a ele. Mas há oito dias, é diferente. Eu estou sem relação com o mundo e além disso, ele está ao meu redor completamente disforme. A infelicidade está em mim, como uma doença íntima e particular. Uma verdadeira doença – não é a apreensão de um objeto, nem de minha vida, nem da sua. É somente um sequência de insônias, de pesadelos e de lágrimas e de dores de cabeça. Às vezes, em recompensa, você me aparece no horizonte com um sorriso preciso que eu não tinha visto em você há muito tempo – nesses momentos, eu choro plenamente, mas mais frequentemente eu passo sem pensamento, de manhã, do pesadelo às lágrimas, de noite, do cansaço aos soluços. E eu tenho a cabeça tão vazia, meu pequeno. Eu vejo vagamente o mapa da Alemanha com uma grande fronteira com arame farpado, e depois há em algum lugar o nome Silésia, e depois frases ouvidas como “eles morrem de fome” – e nada além. Chove essa manhã, eu estou no “Dôme” e são 10h, eu tenho café e brioches em minha frente, como no ano passado. Eu reencontro tudo, mesmo o odor destas manhãs austeras, mas confiantes onde eu me punha a trabalhar, completamente unida a você. Eu gostaria de ser capaz de voltar a trabalhar, mas seria necessário que eu tivesse um sinal de você, uma referência para fixar minha vida.
Zuorro voltou esta manhã, ele vai vir daqui a pouco. Bost está com Kos. E eu o verei esta tarde. Nos temos chance de nos encontrarmos intactos, você me escreveria. E é você que não está aqui, você que me é tudo.
Drieu La Rochelle disse ao Brice Parain que Nizan fora assassinado – isso mexeu comigo – me soou absurdo e depois isso consagra essa impressão de fim de mundo, de uma época, que eu tenho tão forte nesse momento.
Eu não sei quais últimas cartas você teve de mim. Eu vou tratar de resumir essas semanas para poder me lembrar bem delas um dia e contá-las a você.

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O casal  frente à escultura do Balzac, citada na "carta": 


Trecho retirada do livro "Journal de guerre. Septembre 1939 - Janvier 1941". Ed. Gallimard.

Para ir além: