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dimanche 31 janvier 2016

"Tout est déjà dit" poema de Paulo Leminski

       Paulo Leminski, tal qual Oscar Wilde ou muitos outros escritores que não tem o francês como língua materna, explorou as sonoridades e referências da língua francesa em alguns de seus poemas, como este:



tout est déjà dit
dans un jardin
                          jadis
fernando uma pessoa
j’ai perdu ma vie

par délicatesse?
oui
       rimbaud
moi
      aussi

Paulo Leminski, en français dans le texte original.


Tradução literal, com intuito de compreensão do texto original:

tudo já está dito
num jardim
                      outrora
fernando uma pessoa
Eu perdi minha vida 

por delicadeza?
sim
      rimbaud
eu
    também

mardi 26 janvier 2016

Familiale - Jacques Prévert

[clique na imagem para ampliar]
"La vie avec le cimetière / A vida com o cemitério", 2016.
Ilustração de minha autoria inspirada no poema "Familiale" de Prévert.



Familiale 

La mère fait du tricot
Le fils fait la guerre
Elle trouve ça tout naturel la mère
Et le père qu'est-ce qu'il fait le père ?
Il fait des affaires
Sa femme fait du tricot
Son fils la guerre
Lui des affaires
Il trouve ça tout naturel le père
Et le fils et le fils
Qu'est-ce qu'il trouve le fils ?
Il ne trouve rien absolument rien le fils
Le fils sa mère fait du tricot son père fait des affaires lui la guerre
Quand il aura fini la guerre
Il fera des affaires avec son père
La guerre continue la mère continue elle tricote
Le père continue il fait des affaires
Le fils est tué il ne continue plus
Le père et la mère vont au cimetière
Ils trouvent ça naturel le père et la mère
La vie continue la vie avec le tricot la guerre les affaires
Les affaires la guerre le tricot la guerre
Les affaires les affaires et les affaires
La vie avec le cimetière.


Jacques Prévert, in Paroles

Familiar 
Traduction/tradução de Priscila Junglos


A mãe faz tricot
O filho faz a guerra
Ela acha isso muito normal a mãe
E o pai o quê ele faz o pai?
Ele faz negócios
Sua mulher faz tricot
Seu filho a guerra
E ele negócios
Ele acha isso muito normal o pai
E o filho e o filho
O quê que ele acha o filho?
Ele não acha nada absolutamente nada o filho
O filho sua mãe faz tricot seu pai negócios ele a guerra
Quando ele terá acabado seu serviço na guerra
Ele fará negócios com seu pai
A guerra continua a mãe continua ela tricota
O pai continua ele faz negócios
O filho morreu ele não continua mais
O pai e a mãe vão ao cemitério
Eles acham isso muito normal o pai a mãe
A vida continua a vida com o tricot a guerra os negócios
Os negócios a guerra o tricot a guerra
Os negócios os negócios os negócios
A vida com o cemitério.



Notas da tradução: 
Este é um poema sem rimas, entretanto Prévert - como conhecedor da sonoridade da língua francesa - fez rimas internas que não puderam ser mantidas na presente tradução, como a dupla “affaire” com “cimetière”.



Breve análise


     Neste poema, Jacques Prévert (1900 – 1977) aproveita os múltiplos usos do verbo "faire" [fazer] para produzir uma sensação de estranheza. O "fazer" pode ser tão inocente e mecânico como o “fazer tricot” da mãe, ou tão igualmente mecânico e sem consciência como o "fazer o serviço militar" do filho, ou ainda mesmo tão apressado e negligente como o "fazer negócios" do pai de família. Claro que isso foi uma escolha de Prévert, pois ele poderia ter usado outros verbos, como "tricoter" [tricotar] em vez de "faire du tricot" [fazer tricot]. 

     Outra adequada escolha do autor foi a de omitir as pontuações; podemos notar que ele encadeia as frases sem, supostamente, nexo: sem vírgulas, pontos, dois pontos ou exclamações, sendo que só o ponto de interrogação e o ponto final constam. Essa escolha, a meu ver, significa e representa a falta de uma pausa para a reflexão na nossa sociedade, principalmente no tempo de guerra, pois ficamos imersos nesta correria automática que existia no século XX e que, infelizmente, existe até hoje. A mãe busca no tricot, neste exercício repetitivo e manual, uma fuga, uma incessante busca pela ocupação, para não pensar em nada; assim como o pai, um workaholic avant la lettre, que negocia sem parar. Aliás, interessante notar, inclusive, que um homem "affairé" (palavra que vem de "affaire" [negócio]), significa "ocupado" ou "apressado", sendo que isso é exatamente a imagem do homem do começo do século XX, a do pai de família ocupado, ambicioso e trabalhador, mas preso a um tipo de trabalho constante e alienado. Já o filho é a figura mais dramática do poema, pois ele é completamente desprovido de responsabilidade e de autonomia, sendo ele manipulado para ir à guerra e, depois, quem sabe, ir fazer negócios com seu pai, seguindo o destino que a sociedade já lhe traçara, não tendo ele nem sequer a chance de pensar e decidir as escolhas em sua vida.

     Concluindo esta breve análise, podemos apreciar, então, o porquê de só existir o ponto de "interrogação" e o "ponto final" neste texto: Prévert os incluí pois são justamente estes "pontos" que os personagens evitam (personagem que nos representam, a nós, membros integrantes dessa sociedade); evitam fazer uma pausa para questionar as coisas e a vida, e dar um ponto final nas atrocidades.

lundi 25 janvier 2016

La grasse matinée de Jacques Prévert

"Comendo poesia", 2016. Ilustração de minha autoria inspirada no poema "La grasse matinée".


La grasse matinée

Il est terrible
le petit bruit de l’œuf dur cassé sur un comptoir d'étain
il est terrible ce bruit
quand il remue dans la mémoire de l'homme qui a faim
elle est terrible aussi la tête de l'homme
la tête de l'homme qui a faim
quand il se regarde à six heures du matin
dans la glace du grand magasin
une tête couleur de poussière
ce n'est pas sa tête pourtant qu'il regarde
dans la vitrine de chez Potin
il s'en fout de sa tête l'homme
il n'y pense pas
il songe
il imagine une autre tête
une tête de veau par exemple
avec une sauce de vinaigre
ou une tête de n'importe quoi qui se mange
s’en remue doucement la mâchoire
doucement
et il grince des dents doucement
car le monde se paye sa tête
et il ne peut rien contre ce monde
et il compte sur ses doigts un deux trois
un deux trois
cela fait trois jours qu'il n'a pas mangé
et il a beau se répéter depuis trois jours
Ça ne peut pas durer
ça dure
trois jours
trois nuits
sans manger
et derrière ce vitres
ces pâtés ces bouteilles ces conserves
poissons morts protégés par les boîtes
boîtes protégées par les vitres
vitres protégées par les flics
flics protégés par la crainte
que de barricades pour six malheureuses sardines...
Un peu plus loin le bistrot
café-crème et croissants chauds
l'homme titube
et dans l'intérieur de sa tête
un brouillard de mots
un brouillard de mots
sardines à manger
œuf dur café-crème
café arrosé rhum
café-crème
café-crème
café-crime arrosé sang !...
Un homme très estimé dans son quartier
a été égorgé en plein jour
l'assassin le vagabond lui a volé
deux francs
soit un café arrosé
zéro franc soixante-dix
deux tartines beurrées
et vingt-cinq centimes pour le pourboire du garçon.


In Paroles,1949.



Manhã gorda
Tradução / traduction de Priscila Junglos


É terrível 
o pequeno barulho do ovo cozido num balcão de estanho 
ele é terrível este barulho 
quando ele remói na memória do homem que tem fome 
a cabeça do homem que tem fome 
quando ele se olha às seis horas da manhã 
no vidro da grande loja 
uma cabeça cor de poeira 
não é sua cabeça entretanto que ele olha 
na vitrine de Chez Potin 
ele está pouco se fodendo pra sua cabeça o homem 
ele nem pense nela 
ele sonha 
ele imagina outra cabeça 
uma cabeça de viado por exemplo 
com um molho de vinagre 
ou uma cabeça de qualquer coisa que se coma 
ele remói vagarosamente a mandíbula 
vagarosamente 
e ele range os dentes vagarosamente 
porque o mundo tira uma com a cara dele 
e ele não pode nada contra esse mundo 
e ele conta com os dedos um dois três 
um dois três 
há três dias que ele não come
e ele pode se cansar de repetir há três dias 
Isso não pode durar 
isso dura 
três dias 
três noites 
sem comer 
e atrás destas vidraças 
estas carnes essas garrafas essas conservas 
peixes mortos protegidos pelas latas 
latas protegidas pelas vidraças 
vidraças protegidas pelos tiras 
tiras protegidos pelo medo 
quantas barricadas por seis infelizes sardinhas... 
Um pouco mais longe da lanchonete 
café creme e croissant quente 
o homem titubeia 
e no interior da sua cabeça 
uma neblina de palavras 
uma neblina de palavras 
sardinhas para comer 
ovo cozido café creme 
café regado com rum 
café creme 
café creme 
café crime 
café crime regado com sangue!... 
Um homem muito respeitado em seu bairro 
foi degolado em pleno dia 
o assassino o vagabundo lhe roubou 
dois francos 
ou seja um café regado 
zero franco setenta centavos 
duas torradas com manteiga 
e vinte e cinco centavos para a gorjeta do garçom. 



Notas da tradutora:

* "œuf dur" é, literalmente, um ovo duro, mas significa ovo cozido; Prévert usa aqui "dur", pois ele rima com o verbo "durer" (durar) e com a expressão "dur" (duro), de que a coisa/ vida é uma dureza, uma dificuldade. Outra brincadeira que ele faz é com a palavra "tête" (cabeça), que pode significar também "cara", "aparência". Além disso, ele usa a expressão "se payer sa tête" que significa "alguém fazer piada com outro alguém", apesar do nosso "tirar uma com a nossa cara" é a expressão equivalente, a piada com o verbo "payer" (pagar) - que é justamente o que o personagem não pode fazer - se perde em minha tradução para o português, infelizmente.

dimanche 24 janvier 2016

Ouverture la vie en close, de Paulo Leminski


      A língua portuguesa, assim como a francesa, veio do latim. Esse incrível poema do Lemiski  fala disso da maneira mais lírica que há! Em latim "janela" se diz "fenestra", palavra que o francês manteve, já que janela é "fenêtre", enquanto que pra gente virou "fresta"!





Mira Schendel, Sem título (detalhe), 1972.
em latim 
“porta” se diz “janua” 
e “janela” se diz “fenestra” 

a palavra “fenestra” 
não veio para o português 
mas veio o diminutivo de “janua”, 
“januela”, “portinha”, 
que deu nossa “janela” 
“fenestra” veio 
mas não como esse ponto da casa 
que olha o mundo lá fora, 
de “fenestra”, veio “fresta”, 
o que é coisa bem diversa 

já em inglês 
“janela” se diz “window” 
porque por ela entra 
o vento (“wind”) frio do norte 
a menos que a fechemos 
como quem abre 
o grande dicionário etimológico 
dos espaços interiores. 



Paulo Leminski, in La Vie en Close, 1991.