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Familiale
La mère fait du tricot
Le fils fait la guerre
Elle trouve ça tout naturel la mère
Et le père qu'est-ce qu'il fait le père ?
Il fait des affaires
Sa femme fait du tricot
Son fils la guerre
Lui des affaires
Il trouve ça tout naturel le père
Et le fils et le fils
Qu'est-ce qu'il trouve le fils ?
Il ne trouve rien absolument rien le fils
Le fils sa mère fait du tricot son père fait des affaires lui la guerre
Quand il aura fini la guerre
Il fera des affaires avec son père
La guerre continue la mère continue elle tricote
Le père continue il fait des affaires
Le fils est tué il ne continue plus
Le père et la mère vont au cimetière
Ils trouvent ça naturel le père et la mère
La vie continue la vie avec le tricot la guerre les affaires
Les affaires la guerre le tricot la guerre
Les affaires les affaires et les affaires
La vie avec le cimetière.
Jacques Prévert, in Paroles
Familiar
Traduction/tradução de Priscila Junglos
A mãe faz tricot
O filho faz a guerra
Ela acha isso muito normal a mãe
E o pai o quê ele faz o pai?
Ele faz negócios
Sua mulher faz tricot
Seu filho a guerra
E ele negócios
Ele acha isso muito normal o pai
E o filho e o filho
O quê que ele acha o filho?
Ele não acha nada absolutamente nada o filho
O filho sua mãe faz tricot seu pai negócios ele a guerra
Quando ele terá acabado seu serviço na guerra
Ele fará negócios com seu pai
A guerra continua a mãe continua ela tricota
O pai continua ele faz negócios
O filho morreu ele não continua mais
O pai e a mãe vão ao cemitério
Eles acham isso muito normal o pai a mãe
A vida continua a vida com o tricot a guerra os negócios
Os negócios a guerra o tricot a guerra
Os negócios os negócios os negócios
A vida com o cemitério.
Notas da tradução: Este é um poema sem rimas, entretanto Prévert - como conhecedor da sonoridade da língua francesa - fez rimas internas que não puderam ser mantidas na presente tradução, como a dupla “affaire” com “cimetière”.
Breve análise
Neste poema, Jacques Prévert (1900 – 1977) aproveita os múltiplos usos do verbo "faire" [fazer] para produzir uma sensação de estranheza. O "fazer" pode ser tão inocente e mecânico como o “fazer tricot” da mãe, ou tão igualmente mecânico e sem consciência como o "fazer o serviço militar" do filho, ou ainda mesmo tão apressado e negligente como o "fazer negócios" do pai de família. Claro que isso foi uma escolha de Prévert, pois ele poderia ter usado outros verbos, como "tricoter" [tricotar] em vez de "faire du tricot" [fazer tricot].
Outra adequada escolha do autor foi a de omitir as pontuações; podemos notar que ele encadeia as frases sem, supostamente, nexo: sem vírgulas, pontos, dois pontos ou exclamações, sendo que só o ponto de interrogação e o ponto final constam. Essa escolha, a meu ver, significa e representa a falta de uma pausa para a reflexão na nossa sociedade, principalmente no tempo de guerra, pois ficamos imersos nesta correria automática que existia no século XX e que, infelizmente, existe até hoje. A mãe busca no tricot, neste exercício repetitivo e manual, uma fuga, uma incessante busca pela ocupação, para não pensar em nada; assim como o pai, um workaholic avant la lettre, que negocia sem parar. Aliás, interessante notar, inclusive, que um homem "affairé" (palavra que vem de "affaire" [negócio]), significa "ocupado" ou "apressado", sendo que isso é exatamente a imagem do homem do começo do século XX, a do pai de família ocupado, ambicioso e trabalhador, mas preso a um tipo de trabalho constante e alienado. Já o filho é a figura mais dramática do poema, pois ele é completamente desprovido de responsabilidade e de autonomia, sendo ele manipulado para ir à guerra e, depois, quem sabe, ir fazer negócios com seu pai, seguindo o destino que a sociedade já lhe traçara, não tendo ele nem sequer a chance de pensar e decidir as escolhas em sua vida.
Concluindo esta breve análise, podemos apreciar, então, o porquê de só existir o ponto de "interrogação" e o "ponto final" neste texto: Prévert os incluí pois são justamente estes "pontos" que os personagens evitam (personagem que nos representam, a nós, membros integrantes dessa sociedade); evitam fazer uma pausa para questionar as coisas e a vida, e dar um ponto final nas atrocidades.