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mercredi 31 décembre 2014

À Tu et à Toi de Jean Tardieu

Um dos mais belos poemas de amor, na minha opinião.

A confusão quase surrealista do desconhecido que é o íntimo.

Man Ray. Face, mirror and light bulb, 1932.


Tradução / Traduction de Priscila Junglos

À Tu et à Toi *

Toi qui n'es rien ni personne
toi
je t'appelle sans te nommer
car tu n'es pas le dieu
ni le masque scellé sur les choses,
mais les choses elles-mêmes
et davantage encore : leur cendre, leur fumée.

A tu e a ti

Você que não é nada nem ninguém
Você
Eu te chamo sem te nomear
Porque você não é deus
Nem a máscara selada sobre as coisas,
Mas as coisas elas mesmas
E muito mais ainda: sua cinza, sua fumaça.


Toi
qui es tout,
qui n'es plus, qui n'es pas :
peut-être seulement
l'ombre de l'homme
qui grandit sur la paroi de la montagne
le soir.
Toi qui te dérobes et fuis
d'arbre en arbre
sous le portique interminable
d'une aurore condamnée
d'avance.

Você
Que é tudo,
Que não é mais, que não é:
Talvez somente
 A sombra do homem
Que cresce na encosta da montanha
na noite.
Você que escapa e que foge
De árvore em árvore
Sob o pórtico interminável
De uma aurora condenada
Antecipadamente.

Toi
que j'appelle en vain
au combat de la parole
à travers d'innombrables murmures
je tends l'oreille
et ne distingue rien.

Você
Que eu chamo em vão
Ao combate da fala
Através de inumeráveis murmúrios
Eu levanto a orelha
E não distinguo nada.
Toi qui gardes le silence
toujours
et moi qui parle encore
avant de devenir sourd et aveugle
immobile muet
(ce qui est dit : la mort),
Je vais hors de moi-même en tâtonnant
cherchant ce qui peut me répondre,
« toi »,
peut-être simplement
le souffle de ma bouche
formant ce mot.

Toi

Você que guarda o silêncio
Sempre
E eu que falo ainda
Antes de me tornar surdo e cego
Imóvel e mudo
(o que quer dizer: a morte),
Eu vou para fora de mim mesmo tateando,
Procurando o que pode me responder,
“você”,
Talvez simplesmente
O fôlego de minha boca
Formando esta palavra.

Você

je te connais je te redoute
tu es la pierre et l'asphalte
les arbres menacés
les bêtes condamnées
les hommes torturés.

Eu te conheço e te temo
Você é a pedra e o asfalto
As árvores ameaçadas
Os animais condenados
Os homens torturados.

Tu
es le jour et la nuit
le grondement d'avions invisibles
pluie et brume
les cités satellites
perspectives démentes
les gazomètres les tas d'ordures
les ruines les cimetières
les solitudes glacées je ne sais où.

Você
é o dia e a noite
o barulho dos aviões invisíveis
chuva e bruma
as cidades satélites
perspectivas dementes
os gasômetros, um bocado de lixo
As ruínas, os cemitérios
As solidões gélidas eu sei lá onde

Tu
grognes dans les rumeurs épaisses des autos des camions des gares dans le hurlement des sirènes l'alerte du travail les bombes pour les familles.

Você
Rosna nos rumores espessos dos carros, dos caminhões, das estações, nos berros das sirenes o alerta do trabalho as bombas para as famílias

Tu
es un amas de couleurs
où le rouge se perd devient grisaille
tu es le monceau des instants
accumulés dans l'innommable,
la boue et la poussière,
Tu ne ressembles à personne
mais tout compose ta figure.

Você
é uma amálgama de cores
onde o vermelho se perde, se torna cinzento
você é um pedaço de instantes
acumulados na inominável,
a lama e a poeira,
Você não parece com ninguém
Mas tudo compõe tua figura.

Tout :
le piétinement des armées
la masse immense de la douleur
tout ce qui pour naître et renaître
s'accouple à l'agonie,
même les prés délicieux
les forêts frissonnantes
la folie du soleil l'éphémère clarté
le roulement du tonnerre les torrents,
tout
cela ne fait qu'un seul être
qui m'engloutit ; je vais du même pas
que les fourmis sur le sable.

Tudo:
O pisoteamento dos exércitos
A massa imensa da dor
Tudo isso que para nascer e renascer
Acopla-se à agonia,
Mesmo os pastos deliciosos
As florestas arrepiantes
A loucura do sol, a efêmera claridade
O rolamento do trovão as torrentes
Tudo
Isto só forma um único ser
Que me engole; eu vou com o mesmo passo
Que as formigas na areia.

Toi
je te vois je t'entends
je souffre de ton poids sur mes épaules
tu es tout : le visible,
l'invisible.
connaissance inconnue
et sans nom.
Faut-il parler aux murs ?
Aux vivants qui n'écoutent pas ?
À qui m'adresserai-je
sinon à un sourd
comme moi ?

Você
Eu te vejo, eu te ouço
Eu sofro com o teu peso em meus ombros
Você é tudo: o visível,
O invisível.
Conhecimento desconhecido
E sem nome.
É preciso falar com as paredes?
Aos vivos que não escutam?
A quem eu me endereçarei
Senão a um surdo
Como eu?
Tu
es ce que je sais,
que j'ai su et oublié,
que je connais pourtant mieux que moi-même,
de ce côté où je cherche la voie
le vide où tout recommence.

Você
E isto que eu sei,
Que eu soube e esqueci,
Que eu conheço, entretanto melhor que eu mesmo,
Deste lado onde eu procuro a via
O vazio onde tudo recomeça.


Nota da tradutora:

* À Tu et à Toi: O poeta faz um jogo com o pronome pessoal "tu" (que pode conjugar verbos) e com o pronome tonique ou disjoint "toi" (que serve para dar ênfase ou é usado jundo a pronomes, um pouco como nosso oblico "ti"). É um jogo difícil de se traduzir, posto que tanto o "toi" como o "tu" podem ser traduzidos como "tu" ou como "você"; além disso "toi" pode também ser traduzido  como "ti" dependendo do caso.